quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Aquela mão

Era u'a mão de luxo... Era um brinquedo!...
Mas tão bonita que metera medo,
Se não fosse, meu Deus! tão meiga e franca!
Mão p'ra se encher de gemas e brilhantes,
De suspiros, de anelos palpitantes...
Mas p'ra estalar as jóias e os amantes...
Aquela mão tão branca!
Era u'a mão fidalga... exígua, escassa!
Mão de Duquesa! Era u'a mão de raça
De sangue azul, em veios de Carrara!
Alva, tão alva que vencia a idéia
Das neblinas, dos gelos e da garça!...
Amassada no leite de Amaltéia
Aquela mão tão rara!
Tinha um gesto de musa! - Mão que voa,
Que do piano na ideal lagoa,
As asas banha em rapidez não vista!...
Como a andorinha que se arroja à toa,
Cruzando em beijos a extensão das teclas!
Acendendo no seio a luz dos Eclas...
Aquela mão de artista!
Mão de criança! Era u'a mão de arminhos,
Tendo essas covas, esses alvos ninhos,
De aves que a terra desconhece ainda!
Lembrando as conchas dos parcéis marinhos,
A polpa branca dos nascentes lírios...
Covas... porque se enterram mil delírios
Naquela mão tão linda!
No teatro, uma noite, casta, esquiva,
Na luva de pelica a mão cativa,
Recordava um eclipse de lua...
Mas um momento após, deixando o guante,
Vi salvar-se da espuma, rutilante,
Como Vênus despida e palpitante,
Aquela mão tão nua!
Era uma régia mão! Que largas vezes
Sonhei torneios, morriões, arneses,
Bravos ginetes de nevada crina,
Justas feridas entre mil reveses,
Da média idade a sanguinosa palma...
Só p'ra o louro atirar... e a lança e a alma...
Aquela mão tão fina!
Uma noite sonhei que, em minha vida,
Deus acendia a estrela prometida,
Que leva os Reis ao trilho da ventura;
Mus, quando, ao longo da poenta estrada,
O suor me escorria d'amargura...
Passava em meus cabelos perfumada
Aquela mão tão pura!
Era u'a mão que iluminara um cetro...
Mão que ensinava d’harmonia o metro
As esferas de luz que o dia encobres...
Tão santa que uma pérola indiscreta
Talvez toldasse esta nudez tão nobre...
Vazia Era a riqueza do Poeta Aquela mão tão pobre!
Era u'a mão que provocava o roubo!
Era u'a mio para conter o globo!
Tinha a luz que arrebata, a luz que encanta!
Fôra o gênio de Sócrates o Grego!
Domara em Roma os cônsules e o lobo?
Mão que em trevas buscara Homero cego
Aquela mão tão santa!

Castro Alves (1847 - 1871)


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