Dama cruel, quem quer que vós sejais, Que não quero por hora descobrir-vos, Dai-me licença agora para argüir-vos, Pois para amar-vos sempre ma negais:
Por que razão de ingrata vos prezais, Não me pagando o zelo de servir-vos? Sem dúvida deveis de persuadir-vos, Que a ingratidão aformoseia mais.
Não há cousa mais feia na verdade: Se a ingratidão aos nobres envilece, Que beleza fará, o que é fealdade?
Depois, que sois ingrata me parece, Que hoje é torpeza o que era então beldade, Que é flor a ingratidão que em flor fenece.
Namorado, o poeta fala com um arroio
Como corres, arroio fugitivo? Adverte, pára, pois precipitado Corres soberbo, como o meu cuidado, Que sempre a despenhar se corre altivo.
Torna atrás, considera discursivo, Que esse curso, que levas apressado, No caminho que empreendes despenhado Te deixa morto, e me retrata vivo.
Porém corre, não pares, pois o intento, Que teu desejo conseguir procura, Logra o ditoso fim do pensamento.
Triste de um pensamento sem ventura, Que tendo venturoso o nascimento, Não acha assim ditosa a sepultura.
Efeitos contrários do amor
Ó que cansado trago o sofrimento Ó que injusta pensão da humana vida, Que dando-me o tormento sem medida, Me encurta o desafogo de um contento!
Nasceu para oficina do tormento Minha alma, a seus desgostos tão unida, Que por manter-se em posse de afligida Me concede os pesares de alimento.
Em mim não são as lágrimas bastantes Contra incêndios, que ardentes me maltratam, Nem estes contra aqueles são possantes:
Contrários contra mim em paz se tratam, E estão em ódio meu tão conspirantes, Que só por me matarem não se matam. Gregório de Matos (1623 -1696) |
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