segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Fragmento de Um Canto em Cordas de Bronze

Deixai que o pranto esse palor me queime,
Deixai que as fibras que estalaram dores
Desse maldito coração me vibrem
A canção dos meus últimos amores!

Da delirante embriaguez de bardo
Sonhos em que afoguei o ardor da vida,
Ardente orvalhos de febris pranteios,
Que lucro à alma descrida?

Deixai que chore pois. - Nem loucas venham
Consolações a importunar-me as dores:
Quero a sós murmurá-la à noite escura
A canção dos meus últimos amores!

Da ventania às rápidas lufadas
A vida maldirei em meu tormento
- Que é falsa, como em prostitutos lábios
Um ósculo visguento.

Escárnio! Para essa muitas virgens
Como flores - românticas e belas -
Mas que no seio o coração tem árido,
Insensível e estúpido como elas!

Que agreste vibrar, ruja-me as cordas
Mais selvagens desta harpa - quero acentos
De áspero som como o ranger dos mastros
Na orquestra dos ventos!

Corre feio o trovão nos céus bramindo;
Vão torvos do relâmpago os livores:
Quero às rajadas do tufão gemê-la,
A canção dos meus últimos amores!

Vem, pois, meu fulvo cão! ergue-te, asinha,
Meu derradeiro e solitário amigo!
- Quero me ir embrenhar pelos desvios
Da serra - ao desabrigo...

Álvares de Azevedo (1831 - 1832)

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