quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Filosofia
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome
Mas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim
Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia
Noel Rosa (1910 - 1937)
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Penso assim...
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Pense nisso...
Jiddu Krishnamurti (1895 - 1986)
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
segunda-feira, 1 de junho de 2009
Um Beijo
Um só minuto; no entanto
Nesse minuto de beijo
Quantos segundos de espanto!
Quantas mães e esposas loucas
Pelo drama de um momento
Quantos milhares de bocas
Uivando de sofrimento!
Quantas crianças nascendo
Para morrer em seguida
Quanta carne se rompendo
Quanta morte pela vida!
Quantos adeuses efêmeros
Tornados o último adeus
Quantas tíbias, quantos fêmures
Quanta loucura de Deus!
Que mundo de mal-amadas
Com as esperanças perdidas
Que cardume de afogadas
Que pomar de suicidas!
Que mar de entranhas correndo
De corpos desfalecidos
Que choque de trens horrendo
Quantos mortos e feridos!
Que dízima de doentes
Recebendo a extrema-unção
Quanto sangue derramado
Dentro do meu coração!
Quanto cadáver sozinho
Em mesa de necrotério
Quanta morte sem carinho
Quanto canhenho funéreo!
Que plantel de prisioneiros
Tendo as unhas arrancadas
Quantos beijos derradeiros
Quantos mortos nas estradas!
Que safra de uxoricidas
A bala, a punhal, a mão
Quantas mulheres batidas
Quantos dentes pelo chão!
Que monte de nascituros
Atirados nos baldios
Quantos fetos nos monturos
Quanta placenta nos rios!
Quantos mortos pela frente
Quantos mortos à traição
Quantos mortos de repente
Quantos mortos sem razão!
Quanto câncer sub-reptício
Cujo amanhã será tarde
Quanta tara, quanto vício
Quanto enfarte do miocárdio
Quanto medo, quanto pranto
Quanta paixão, quanto luto!...
Tudo isso pelo encanto
Desse beijo de um minuto:
Desse beijo de um minuto
Mas que cria, em seu transporte
De um minuto, a eternidade
E a vida, de tanta morte.
quinta-feira, 21 de maio de 2009
Caminhos...
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com ma chuva.
Em Taltal não amanhece a primavera.
Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono. de água de quadris,
até ser só tu, só eu juntos.
Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura de água de Boroa,
pensar que separados por trens e nações
tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa dos cravos.
terça-feira, 19 de maio de 2009
Mãos Dadas
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
quarta-feira, 6 de maio de 2009
Tonel de Ódio
terça-feira, 5 de maio de 2009
A estrela da manhã
Eu quero a estrela da manhã Manuel Bandeira (1886 - 1968) |
quarta-feira, 29 de abril de 2009
A morte para o justo é recompensa
De radiosas virtudes escoltada
Deste imaturo adeus ao mundo triste
Co(m)´a mente no almo pólo, aonde existe
Bem, que sempre se goza e nunca enfada,
À fouce, a segar vidas destinada,
Mansíssima cordeira o colo uniste;
O que é do céu ao céu restituíste,
Restituíste ao nada o que é do nada.
E inda gemo, inda choro, alma querida,
Teu fado amigo, tua dita imensa,
Que em vez de pranto a júbilo convida!
Ah! Pio acordo minha mágoa vença;
É cativeiro para o justo a vida.
A morte para o justo é recompensa.
Bocage (1765 - 1805)
segunda-feira, 27 de abril de 2009
Não sabes
Quanta alta noite n'amplidão flutua
Pálida a lua com fatal palor,
Não sabes, virgem, que eu por ti suspiro
E que deliro a suspirar de amor.
Quando no leito entre sutis cortinas
Tu te reclinas indolente aí,
Ai! Tu não sabes que sozinho e triste
Um ser existe que só pensa em ti.
Lírio dest'alma, sensitiva bela,
És minha estrela, meu viver, meu Deus.
Se olhas - me rio, se sorris - me inspiro,
Choras - deliro por martírios teus.
E tu não sabes deste meu segredo
Ah! tenho medo do teu rir cruel!...
Pois se o desprezo fosse a minha sorte
Bebera a morte neste amargo fel.
Mas dá-me a esp'rança num olhar quebrado,
Num ai magoado, num sorrir dó céu,
Ver-me-ás dizer-te na febril vertigem
"Não sabes, virgem? Meu futuro é teu"!
Castro Alves ( 1847 - 1871)
quarta-feira, 22 de abril de 2009
Os olhos dos pobres
Quer saber por que a odeio hoje? Sem dúvida lhe será menos fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois acho que você é o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.
Tínhamos passado juntos um longo dia, que a mim me pareceu curto. Tínhamos nos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns, que nossas almas, daqui por diante, seriam uma só; sonho que nada tem de original, no fim das contas, salvo o fato de que, se os homens o sonharam, nenhum o realizou.
De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali todo o ardor de uma estréia e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajens de caras rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo para o falcão em suas mãos, as ninfas e deusas portando frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a história e toda a mitologia a serviço da comilança.
Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o ar da tarde. Todos
Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.
Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: "Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?"
Como é difícil nos entendermos, querido anjo, e o quanto o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam!
Charles Baudelaire (1821 - 1867)
terça-feira, 14 de abril de 2009
A Fome e o Amor
A um monstro Fome! E, na ânsia voraz que, ávida, aumenta, Amor! E a satiríasis sedenta, Representam, no ardor dos seus assomos Augusto dos Anjos (1884 - 1914) |
segunda-feira, 13 de abril de 2009
O meu maior bem
Este querer-te bem sem me quereres, Mesmo a beijar-me, a tua boca mente... Mas que me importa a mim que me não queiras, Do teu frio desamor, dos teus desdéns, Florbela Espanca (1894 - 1930) |
sexta-feira, 10 de abril de 2009
Desejo
Sequer por um instante, nesta vida
Amor igual ao meu!
Dá, Senhor Deus, que eu sobre a terra encontre
Um anjo, uma mulher, uma obra tua,
Que sinta o meu sentir;
Uma alma que me entenda, irmã da minha,
Que escute o meu silêncio, que me siga
Dos ares na amplidão!
Que em laço estreito unidas, juntas, presas,
Deixando a terra e o lodo, aos céus remontem
Num êxtase de amor!
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Soneto I
Apenas vi do dia a luz brilhante Aos dois lustros a morte devorante Vagando a curva terra, o mar profundo, E enquanto insana multidão procura Bocage (1765 - 1805) |
quarta-feira, 8 de abril de 2009
segunda-feira, 6 de abril de 2009
Alma Fatigada
Mas repousar um pouco e repousar um tanto,
Os olhos enxugar das convulsões do pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.
A graça do consolo e da tranqüilidade
De um céu de carinhoso e perfumado encanto,
Mas sem nenhum carnal e mórbido quebranto,
Sem o tédio senil da vã perpetuidade.
Um sonho lirial d'estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas, fatigadas
Possam se recordar e repousar tranqüilas!
Um descanso de Amor, de celestes miragens,
Onde eu goze outra luz de místicas paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de argilas!
sábado, 4 de abril de 2009
Em que pensas
Uma pequena homenagem! Parabéns a minha amiga Márcia, felicidades.
|
quinta-feira, 2 de abril de 2009
Lírica
Dama cruel, quem quer que vós sejais, Por que razão de ingrata vos prezais, Não há cousa mais feia na verdade: Depois, que sois ingrata me parece, Namorado, o poeta fala com um arroio Como corres, arroio fugitivo? Torna atrás, considera discursivo, Porém corre, não pares, pois o intento, Triste de um pensamento sem ventura, Efeitos contrários do amor Ó que cansado trago o sofrimento Nasceu para oficina do tormento Em mim não são as lágrimas bastantes Contrários contra mim em paz se tratam, Gregório de Matos (1623 -1696) |
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Rosa e Lírio
A rosa Almeida Garrett (1799 - 1854) |
terça-feira, 31 de março de 2009
Mors-Amor
Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,
Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?
Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,
Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: "Eu sou a morte!"
Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"
Antero de Quental (1842 - 1891)
segunda-feira, 30 de março de 2009
Flor da Mocidade
És tu, rosa da mocidade,
Nascida, aberta para o amor.
Eu conheço a mais bela flor.
Tem do céu a serena cor,
E o perfume da virgindade.
Eu conheço a mais bela flor,
És tu, rosa da mocidade.
Vive às vezes na solidão,
Coma * filha da brisa agreste.
Teme acaso indiscreta mão;
Vive às vezes na solidão.
Poupa a raiva do furacão
Suas folhas de azul celeste.
Vive às vezes na solidão,
Como filha da brisa agreste.
Colhe-se antes que venha o mal,
Colhe-se antes que chegue o inverno;
Que a flor morta já nada val.
Colhe-se antes que venha o mal.
Quando a terra é mais jovial
Todo o bem nos parece eterno.
Colhe-se antes que venha o mal,
Colhe-se antes que chegue o inverno.
sexta-feira, 27 de março de 2009
Profissão de febre
Eu chovo,
Faz sol,
Eu faço,
De noite,
Anoiteço,
Tem Deus,
Eu rezo,
Não tem,
Esqueço,
Chove de novo,
De novo, chovo,
Assobio no vento,
Daqui me vejo,
Lá vou eu,
Gesto no movimento.
quarta-feira, 25 de março de 2009
Canção de Alta Noite
muros frios, praia rasa.
Andar, andar, que um poeta
não necessita de casa.
Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.
Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.
Andar...Perder o seu passo
na noite, também perdida.
Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.
Andar... - enquanto consente
Deus que seja a noite andada.
Porque o poeta, indiferente,
anda por andar - somente.
Não necessita de nada.
Semper Eadem
Para a amiga Cláudia, pelo seu aniversário, parabéns. Baudelaire (O Maldito) conforme seu pedido, Beijos.
"De onde te vem, responde, essa tristeza infinda
Que galga, como o mar, o negro e nu rochedo?"
- Quando no coração nossa colheita finda,
viver é um mal. Ninguém ignora este segredo.
Uma dor muito simples, nada misteriosa,
A todos familiar, como tua alegria.
Nada queiras saber, minha bela curiosa!
E, embora a voz te seja afável, silencia!
Cala-te tola! alma de tudo embevecida!
Boca de riso ingênuo! Ainda mais que a Vida,
A Morte nos enlaça em seus sutis idílios.
Deixa-me o coração confiar no que suponho,
Dentro em teus olhos mergulhar como num sonho,
E dormir longo tempo à sombra de teus cílios!
Charles Baudelaire ( 1821 - 1868)
segunda-feira, 23 de março de 2009
Ainda que mal
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.
sábado, 21 de março de 2009
Canção Grata
Por tudo o que me deste Florbela Espanca (1894 - 1930) |
quinta-feira, 19 de março de 2009
Luz entre sombras
Muda como o passamento
Uma só no firmamento
Trêmula estrela fulgura.
Fala aos ecos da espessura
A chorosa harpa do vento,
E num canto sonolento
Entre as árvores murmura.
Noite que assombra a memória,
Noite que os medos convida,
Erma, triste, merencória.
No entanto...minha alma olvida
Dor que se transforma em glória,
Morte que se rompe em vida.
quarta-feira, 18 de março de 2009
Dois cravos roxos
Esta noite, quando, lá fora,
campanários tontos bateram
doze vezes o apelo da hora,
na minha jarra, onde a água chora,
meus dois cravos roxos morreram...
Meus dois cravos roxos morreram!
Meus dois cravos roxos defuntos,
são como beijos que sofreram,
como beijos que enlouqueceram
porque nunca vibraram juntos...
São como a sombra dolorida
de olhos tristes, que se perderam
nas extremidades da vida...
Oh! miséria da despedida...
Meus dois cravos roxos morreram...
Meus dois cravos roxos morreram!
Meus dois cravos roxos, fanados,
crepuscularam, faleceram,
como sonhos que se esqueceram,
alta noite, de olhos fechados...
Eu pensava numa criatura,
quando os campanários bateram...
Tudo agora se me afigura
irremediável desventura...
Irremediável desventura!
Meus dois cravos roxos morreram...
Cecília Meireles (1901 - 1964)
terça-feira, 17 de março de 2009
Espelho
Sou prata e exato. Eu não prejulgo.
O que vejo engulo de imediato
Tal qual é, sem me embaçar de amor ou desgosto.
Não sou cruel, tão somente veraz —
O olho de um deusinho, de quatro cantos.
O tempo todo reflito sobre a parede em frente.
É rosa, com manchas. Fitei-a tanto
Que a sinto parte de meu coração. Mas vacila.
Faces e escuridão insistem em nos separar.
Agora sou um lago. Uma mulher se inclina para mim,
Buscando em domínios meus o que realmente é.
Mas logo se volta para aqueles farsantes, o lustre e a lua.
Vejo suas costas e as reflito fielmente.
Ela me paga em choro e agitação de mãos.
Sou importante para ela. Ela vai e vem.
A cada manhã sua face reveza com a escuridão.
Em mim afogou uma menina, e em mim uma velha
Salta sobre ela dia após dia como um peixe horrendo.
(tradução de Vinicius Dantas)
sexta-feira, 13 de março de 2009
Se te Amo, Não Sei!
Oiço aí pronunciar
Essa palavra de modo
Que não sei o que é amar.
Se amar é sonhar contigo,
Se é pensar, velando, em ti,
Se é ter-te n'alma presente
Todo esquecido de mim!
Se é cobiçar-te, querer-te
Como uma bênção dos céus
A ti somente na terra
Como lá em cima a Deus;
Se é dar a vida, o futuro,
Para dizer que te amei:
Amo; porém se te amo
Como oiço dizer, não sei.
Sei que se um gênio bom me aparecesse
E tronos, glórias, ilusões floridas,
E os tesouros da terra me oferecesse
E as riquezas que o mar tem escondidas;
E do outro lado a ti somente, e o gozo
Efêmero e precário e após a morte;
E me dissesse: "Escolhe" oh! jubiloso,
Exclamara, senhor da minha sorte!
"Que tesouro na terra há i que a iguale?
Quero-a mil vezes, de joelhos sim!
Bendita a vida que tal preço vale,
E que merece de acabar assim!"
quinta-feira, 12 de março de 2009
A fina, a doce ferida
Que foi a dor do meu gozo
Deixou quebranto amoroso
Na cicatriz dolorida.
Por que ardor pecaminoso
Ateou a esta alma perdida
A fina, a doce ferida
Que foi a dor do meu gozo.
Como uma adaga partida
Purge o golpe voluptuoso...
Que no peito sem repouso
Me arderá por toda a vida
A fina, a doce ferida...
O coração
O coração é o colibri dourado
Das veigas puras do jardim do céu.
Um - tem o mel da granadilha agreste,
Bebe os perfumes, que a bonina deu.
O outro - voa em mais virentes balças,
Pousa de um riso na rubente flor.
Vive do mel - a que se chama - crenças -,
Vive do aroma - que se diz - amor.
Castro Alves (1847 - 1871)
terça-feira, 10 de março de 2009
Aspiração Suprema
Como os cegos e os nus pede um abrigo Cruz e Sousa (1861 - 1898) |
domingo, 8 de março de 2009
Ao dia internacional da mulher
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou..
Luiz Vaz de Camões (1524 - 1580)
quinta-feira, 5 de março de 2009
Contudo...
Contudo, contudo, Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse, Vi sempre o mundo independentemente de mim. Fernando Pessoa (1888 - 1935) |
Amor da Menina
Se te vejo passar, minha cara indolente,
Ao canto de instrumentos, partido no teto,
Como donaire a fulgir, lenta e harmoniosamente,
O tédio a navegar no teu olhar inquieto;
E se eu contemplo, à luz do gás e que a colora,
Pálida fronte a arder de mórbido aparato,
Em que as tochas da tarde acendem uma aurora,
E estes olhos que atraem, como os de algum retrato,
Eu me digo: Que beleza! E que fresco vestido!
A saudade maciça - um halo de esplendor -
Coroa-a; e o coração, um pêssego ferido,
E o corpo amadurecem para o sábio amor.
És o fruto outonal de sabor soberano?
És o lacrimatório à espera de algum pranto,
Perfume de sonhar num oásis arcano,
Ramalhete de flor ou caricioso manto?
E de olhares eu sei de tristezas iníquas,
Que nada deixam ver por detrás de seus véus;
Escrínios a mofar, medalhões sem relíquias,
Mais ocos, a afundar muito mais do que os céus!
Mas não te basta ser só ilusão imensa
Para num falso coração ter tua presa?
Que importa o que há em ti, de tola indiferença?
A máscara que importa? Amo a tua beleza!
Charles Baudelaire (1821 - 1867)
quarta-feira, 4 de março de 2009
Ar Noturno
Tenho muito medo
das folhas mortas,
medo dos prados
cheios de orvalho.
eu vou dormir;
se não me despertas,
deixarei a teu lado meu coração frio.
O que é isso que soa
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu! Pus em ti colares
com gemas de aurora.
Por que me abandonas
neste caminho?
Se vais muito longe,
meu pássaro chora
e a verde vinha
não dará seu vinho.
O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu! Nunca saberás,
esfinge de neve,
o muito que eu
haveria de te querer
essas madrugadas
quando chove
e no ramo seco
se desfaz o ninho.
O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu!
tradução de William Agel de Melo
Federico Garcia Lorca (1898 - 1936)
terça-feira, 3 de março de 2009
Horas Rubras
Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...
Ouço as olaias rindo desgrenhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas...
Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...
Sou chama e neve branca misteriosa...
E sou talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!
Florbela Espanca (1894 - 1930)
segunda-feira, 2 de março de 2009
Ideal
Desde bem cedo me sorriste,
Ó luz da alma contemplativa!
Na minha noite escura e triste
Hás de brilhar, enquanto eu viva.
Astro do enlevo solitário,
Oculta flor do ermo saudoso,
Lâmpada do íntimo sacrário,
Etérea fonte de almo gozo.
Tu és, na altura inacessível,
O eterno prêmio que eu almejo
E sigo; brilhas impassível
E eu vivo, enquanto ainda te vejo!
Por mais que neste inferno pene
E arder-me a vida toda sinta,
Adoro-te, ó sonho perene!
Ó ambição da alma faminta!
Astro amigo, fulge e cintila.
E roto à vida o frágil nexo,
Venha-me à fronte, enfim tranqüila,
A extrema-unção do teu reflexo!
Lúcio de Mendonça (1854 - 1909)
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Da Espécie
A rosa atrai a rosa.
Por enredos e meandros
de essência.
A áurea rosa, a fulva, a rubra,
na expectativa da mais pura.
E são vergéis convergindo
para abertas campinas
na milenar procura
de uma fórmula mágica
paradigma da espécie.
Existe a branca, a nívea rosa
de perfeição una e perene
ou apenas a imagem
que deriva do anelo?
O aroma, a seiva, a força,
eu os sinto latentes
a presumir da forma para o enleio.
E entre mil rosas consagradas
à rendição do redil,
existe a rosa selvagem
que se reclina sobre o abismo.
A que vai ao acaso
de crisol em crisol
para que brote a transcendente
rosa com que sonha a rosa.
Henriqueta Lisboa (1904 - 1985)
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Um dia
Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela...
Um dia nós percebemos que as mulheres tem extinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como o "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos a importância da frase: "Tu se tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que somos muito importante para alguém mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...
Enfim...
um dia descobrimos que apesar de viver quase um século
esse tempo todo não é suficiente
para realizarmos todos os nossos sonhos,
para beijarmos todas as bocas que nos atraem,
para dizer tudo o que tem que ser dito..
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutar para realizar todas as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação.
sábado, 21 de fevereiro de 2009
Quantas vezes amor, me tens ferido?
Quantas vezes , Amor, me tens ferido ?
Quantas vezes, Razão, me tens curado ?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer é conduzido !
Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até reagia a mão do fado,
Onde o sol, bem de todos, lhe é vedado
Depois com ferros vis se vê cingido:
Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo de existência à morte !
Travam-se gosto, e dor ; sossego, e lida ;
É da lei da Natureza ,é lei da sorte
Que seja o mal e o bem matriz da vida.
Bocage (1765 - 1805)
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
O vinho dos amantes
Hoje o espaço é de luzes cheio!
Sem esporas, rédeas e freio,
Vamos a cavalo a um destino
Que o vinho torna um céu divino!
Como dois anjos que tortura
Uma implacável calentura,
No cristal azul da paisagem
Sigamos a longe miragem!
Molemente presos num elo
Dum turbilhão orientado;
Num pesadelo paralelo,
Minha irmã, junto a mim, a nado,
Fugiremos sempre risonhos
Ao paraíso dos meus sonhos!
Charles Baudelaire (1821 - 1867)
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
Soneto
Que nos quer governar cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro,
Que a vida do vizinho, e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
Para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos Mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
Todos, os que não furtam, muito pobres,
E eis aqui a cidade da Bahia.
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Anjo
Anjo "Ai! Que vale a vingança, pobre amigo,
Se na vingança a honra não se lava?...
O sangue é rubro, a virgindade é branca -
O sangue aumenta da vergonha a bava.
"Se nós fomos somente desgraçados,
Para que miseráveis nos fazermos?
Desportados da terra assim perdemos
De além da campa as regiões sem termos...
"Ai! não manches no crime a tua vida,
Meu irmão, meu amigo, meu esposo!...
Seria negro o amor de uma perdida
Nos braços a sorrir de um criminoso!. . . "
Castro Alves (1847 - 1871)
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Simpatia
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.
Simpatia - meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d'agosto
É o que m'inspira teu rosto...
- Simpatia - é quase amor!
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Novas Poesias Inéditas
Não sei quantas almas tenho. Fernando Pessoa (1888 - 1935) |
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Benditas Cadeias!
Quando vou pela Luz arrebatado, Cruz e Sousa (1861 -1898) |
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Eu...
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca (1894 - 1930)
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
domingo, 8 de fevereiro de 2009
Allegro
Doidamente em nós
Um vento feroz
Estorcendo a fibra
Dos caules informes
E as plantas carnívoras
De bocas enormes
Lutam contra as víboras
E os rios soturnos
Ouve como vazam
A água corrompida
E as sombras se casam
Nos raios noturnos
Da lua perdida.
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
O poeta pede ao seu amor que lhe escreva
Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.
tradução de William Agel de Melo
Federico Garcia Lorca (1898 - 1936)
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Toda Ela
O Demônio em meu quarto salta
Esta manhã para me ver
E, tentando apanhar-me em falta,
Diz-me: "Eu só queria saber,
Entre todas as coisas raras
De que é pródigo seu feitiço,
Entre as jóias negras ou claras
Que ao corpo lhe dão tanto viço,
Qual a mais sublime."- ó minha alma!
Respondeste ao Tinhoso então:
"Porque Ela é um bálsamo que acalma,
Não pode haver predileção.
E como tudo me extasia,
Não sei se nela algo me enfara.
Ela deslumbra como o Dia
E como a Noite nos ampara.
Seu corpo esplêndido é regido
Por harmonias tão concordes
Que nunca pôde o humano ouvido
Escolher um dentre os acordes.
Ó mística transmutação
Que os sentidos num só resume!
Seu hálito faz a canção
E sua voz faz o perfume!"
Charles Baudelaire (1821 - 1867)
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Nascemos para Amar
Nascemos para amar; a humanidade Enleia-se por gosto a liberdade; Qual se abisma nas lôbregas tristezas, Amor ou desfalece, ou pára, ou corre; Bocage (1765 - 1805) |
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Asas Abertas
Podes te agasalhar no meu Carinho,
Abrigar-te de frios no meu Ninho
Com as tuas asas trêmulas, incertas.
Tu'alma lembra vastidões desertas
Onde tudo é gelado e é só espinho.
Mas na minh'alma encontrarás o Vinho
e as graças todas do Conforto certas.
Vem! Há em mim o eterno Amor imenso
Que vai tudo florindo e fecundando
E sobe aos céus como sagrado incenso.
Eis a minh'alma, as asas palpitando
Com a saudade de agitado lenço
o segredo dos longes procurando...
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Renúncia
Chora de manso e no íntimo... Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.
Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura...
A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e dalma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.
Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira...
Manuel Bandeira (1886 - 1968)
Às Vezes
Às vezes tenho idéias felizes, Fernando Pessoa (1888 - 1935) |
sábado, 31 de janeiro de 2009
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Escreve-me...
Escreve-me! Ainda que seja só Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo Cinco letras pequeninas, Não queres mandar-me esta palavra apenas? Florbela Espanca (1894 - 1930) |
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
Deslumbramentos...
Milady, é perigoso contemplá-la
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.
Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, senguindo-lhes as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!...
Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!
Ah! Como me estonteia e me fascina...
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!...
Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!
O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo dum regalo!
Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.
E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como a um brilhante.
Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.
E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!
Cesário Verde (1855 - 1886)
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Particularidades...
Muitas vezes, a sós, eu me analiso e estudo,
os meus gostos crimino e busco, em vão torcê-los;
é incrível a paixão que me absorve por tudo
quanto é sedoso, suave ao tato: a coma... Os pêlos...
Amo as noites de luar porque são de veludo,
delicio-me quando, acaso, sinto, pelos
meus frágeis membros, sobre o meu corpo desnudo
em carícias sutis, rolarem-me os cabelos.
Pela fria estação, que aos mais seres eriça,
andam-me pelo corpo espasmos repetidos,
às luvas de camurça, às boas, à pelica...
O meu tato se estende a todos os sentidos;
sou toda languidez, sonolência, preguiça,
se me quedo a fitar tapetes estendidos.
Gilka Machado (1893 - 1980)
Se não for agora, quando?
Tem hora de parar - e tem hora de partir.
Tem hora de permanecer quieto e calado num canto,
e tem hora de cantar e de voar.
Agora,
agora não é hora de dobrar as asas,
nem de calar a voz,
nem de catar gravetos para fazer o ninho.
Agora não é hora de sentir remorsos.
Não é hora de buscar consolo,
nem de caiar o túmulo.
Agora que estou na beirada,
bêbado de alegria
e pronto para o salto,
não me segure em nome de nada.
Não queira impedir-me
dizendo que é muito cedo,
ou que é muito tarde,
ou que está escuro, é perigoso, muito alto,
muito fundo, muito longe...
Não!
Se você não puder incentivar-me para o salto;
se você não puder empurrar-me
em direção à Vida,
então não me segure.
Não me prenda, nem me amarre.
Não envenene com teu medo a minha dança.
Seja só uma silenciosa testemunha desta vertigem.
Porque agora,
agora é hora de voar.
É hora de abrir-me a todas as possibilidades.
E saltar num vôo livre e sem destino
para dentro de mim mesmo.
Edson Marques
Voz e aroma
A brisa vaga no prado,
Perfume nem voz não tem;
Quem canta é o ramo agitado,
O aroma é da flor que vem.
A mim, tornem-me essas flores
Que uma a uma vi murchar,
Restituam-me os verdores
Aos ramos que eu vi secar…
E em torrentes de harmonia
Minha alma se exalará,
Esta alma que muda e fria
Nem sabe se existe já.
Almeida Garret (1799 - 1854)
domingo, 25 de janeiro de 2009
Exortação
Um canto santo de fervente amor,
Ao bardo o cardo da tremenda senda
Estanca, arranca-lhe a terrível dor.
O triste existe qual a pedra medra,
Rosa saudosa do gentil jardim,
Qual monge ao longe já no claustro exausto
Qual ampla campa a proteger-lhe o fim.
O triste existe em sofrimento lento,
Vive, revive p'ra morrer depois...
Morre - assim corre a atribulada estrada
Da vida qu'rida, soluçando a sós.
Fada encantada, em teu regaço lasso,
Viajante errante, deixa-me pousar;
Lírio ou martírio, abre teu seio a meio,
Estrela bela, vem-me enfim guiar.
Ao mundo imundo, não entrega, nega
Tantos encantos dos amores teus,
Compreende, entende-te a vertigem, virgem,
Somente a mente do poeta e Deus.
D'esta alma a palma de risonhos sonhos,
Da mente ardente a inspiração do céu
O vate abate às tuas plantas santas,
Altivo e vivo, sendo escravo teu.
sábado, 24 de janeiro de 2009
Amor é Síntese
Por favor não me analise Mário Quintana (1906 - 1994) |
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Pense Nisso...
E não é a fome que você imagina entre uma refeição e outra.
Tem gente sentindo frio.
E não é o frio que você imagina entre o chuveiro e a toalha.
Tem gente muito doente.
E não é a doença que você imagina entre a receita e a aspirina.
Tem gente sem esperança.
Mas não é o desalento que você imagina entre o pesadelo e o despertar.
Tem gente pelos cantos.
E não são os cantos que você imagina entre o passeio e a casa.
Tem gente sem dinheiro.
E não é a falta que você imagina entre o presente e a mesada.
Tem gente pedindo ajuda.
E não é aquela que você imagina entre a escola e a novela.
Tem gente que existe e parece imaginação.”